Por Dr. Eduardo Garcia Campos
“Talvez, Tício” — disse Eduardo Garcia, enquanto mexia lentamente o café — “os advogados estavam exaustos não porque escolheram errado, mas porque foram ensinados a não poder falhar.”
Caio e Tício olharam pela janela da sala da ESA. Era outono.
E Tício contou a história de um advogado que ele já conhecia anos antes.
ERA UMA VEZ UM JOVEM ADVOGADO…
Ele sonhava com justiça. Sonhava com oratória brilhante, com júris tensos, com a palavra final. Acreditava que a advocacia seria seu paraíso cognitivo: um lugar onde inteligência e ética bastavam.
Ele começou a silenciar sua indignação. E, mais perigoso que isso, começou a silenciar a si mesmo. Dia após dia, já não discutia mais com o serventuário. Já não escrevia com a garra do início. Já não pensei com o prazer do início. Só entregava prazos. Só fechava boletos. Só respondia.
No silêncio, ele começou a morrer. Não no CPF — mas na biografia.
Tício então se virou para Eduardo Garcia e perguntou:
“Afinal, Dr. Eduardo, o que acontece com o cérebro de alguém que acreditava que iria fazer justiça e acabou aprendendo a sobreviver sem medo?”
Eduardo respondeu:
“Sob estresse prolongado, algumas regiões passam a priorizar proteção e economia de energia em detrimento da eficiência e criatividade.”
- Amígdala — centro de detecção de ameaças; quando hiperativada, mantém o organismo em alerta contínuo, favorecendo comportamentos de evitação.
- Córtex pré-frontal ventromedial (vmPFC) — integra memória afetiva, valor de recompensa e tomada de decisão; o estresse pode diminuir sua eficiência na atribuição de valor emocional às tarefas.
- Córtex cingulado anterior (ACC) — monitora conflitos entre pensar, sentir e agir; sobrecarga contínua amplia a autocobrança e a sensação de dissonância.
- Hipocampo — consolida memórias; sob estresse persistente, tende a privilegiar lembranças negativas e pode sofrer redução volumétrica em quadros severos.
A motivação dá lugar ao comportamento de evitação. A esperança cede lugar a uma espécie de “cumprimento emocional”.
MORAL NEUROCIENTÍFICA DA PARÁBOLA
ESSE ADVOGADO QUE LUTOU TANTO PARA SE FORMAR E PASSAR NA OAB NÃO É FRACO. Talvez ele esteja com o sistema de recompensa neural momentaneamente desregulado — não “quebrado”.
A parte do seu cérebro responsável por ligar emoções ao planejamento pode estar atribuindo menos valor emocional ao trabalho — mas essa alteração é funcional e reversível. A parte que detecta conflitos entre o que pensa, sente e faz, quando sobrecarregada, tende a repetir padrões apenas para escapar da tensão interna. Seu hipocampo favorece memórias de derrota, o que reforça a sensação de impotência. E sua amígdala quer apenas evitar o próximo erro.
Você não está derrotado. Está em processo de reconexão com a versão de si mesmo que ainda acredita que vale a pena lutar.
E SE VOCÊ NÃO PRECISASSE ABANDONAR A ADVOCACIA, MAS REPROGRAMAR O CÉREBRO DENTRO DELA?
O primeiro passo não é largar tudo. É lembrar-se de si mesmo.
“Quem se adapta demais ao sistema esquece que o Direito foi feito para transformar o mundo — e não para amansar inteligências.”
Você não está cansado por falta de vocação. Você está cansado de uma sobrevivência neuroemocional sem estratégia.
Se esse advogado conversasse comigo, eu proporia um exercício rápido — por meio de uma promessa de que ele realmente o faria:
- Escreva sobre o dia em que mais acreditou na profissão. → Isso reativa a memória de propósito — ainda intacta nos circuitos de motivação.
- Encontre um novo ambiente de troca entre pares. → O isolamento é a duplicação do esgotamento.
- Crie pequenas vitórias diárias. → A dopamina não nasce de “likes”; surge da conclusão de metas autênticas e factíveis.
E nunca se esqueça: O Direito não falhou com você. Falhou a forma como ensinaram você a sobreviver nele.
Mas o seu cérebro pode aprender outro caminho — com neurociência, identidade e coragem.
Sobre o autor do texto:
Dr. Eduardo Garcia Campos, neurocientista, com passagem pela graduação e pós-graduação em neurociências, advogado, empresário, sócio diretor em quatro empresas, com doutorado pela Pontifícia Universidade Católica, atualmente em especialização em Genética Cerebral do Desenvolvimento Humano pela Universidade Federal de Lausanne ), Suíça — referência global em genética cerebral e modelagem neural.
Presidente da Comissão de Neurociências Para Advogados da OAB/Barra-RJ