O Fluminense foi multado em R$ 50 mil pela Quarta Comissão Disciplinar do STJD do Futebol por cantos homofóbicos da torcida. A conduta ocorreu na partida com o Internacional, pelo Brasileiro de 2021. Além do clube, o lateral-esquerdo do Inter, Paulo Victor, também foi julgado, mas absolvido. A sessão ocorreu nesta quinta, 27 de janeiro, e a decisão de primeira instância cabe recurso.

Fluminense e cantos homofóbicos

No dia 24 de novembro de 2021, o Fluminense recebeu o Internacional pela 35ª rodada do Campeonato Brasileiro Série A. Consta da súmula que aos 40 e 47 minutos do segundo tempo, por alguns segundos a torcida tricolor entoou de forma rápida o canto de cunho homofóbico “arerê, gaúcho da o c* e fala tchê”. O fato foi informado ao quarto árbitro pelo delegado do jogo, Marcelo Viana. Não houve a necessidade de paralisar a partida, pois os cânticos cessaram rapidamente após o telão do estádio e o sistema de som solicitarem que não mais o fizessem.

Em posse do documento de jogo, a Procuradoria enquadrou o Fluminense no artigo 243-G, §1º do CBJD, que fala em “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. § 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição”.

A defesa do clube carioca apresentou prova documental e pediu a oitiva do gestor do Flu-Memória. Dhaniel Cohen explicou o trabalho que faz no Fluminense, citou ações de prevenção e afirmou ter sido um fato isolado.

“Se a gente for fazer um apanhamento histórico do Fluminense, sem dúvida alguma, entre todos os clubes brasileiros, é o que é mais vítima de provocações adversárias. Foi realmente um ato isolado, não foi a maioria do estádio, pelo contrário, a minoria. Da cabine da Flu TV não foi possível ouvir, só soube quando passou no telão. Na transmissão, o áudio não deu para perceber e, pelo que vi depois, foi algo muito rápido, isolado e da minoria do estádio. O grito foi abafado imediatamente pela maioria da torcida, com outros cantos. Tanto que foi muito rápido”, em resumo disse Cohen.

Como sustentaram as partes:

O Procurador da sessão, Rafael Bozzano, pediu a punição do clube com a aplicação do parágrafo primeiro do artigo 243-G e multa.

“Mais um caso que infelizmente não é o primeiro e que, até ouvindo o depoimento do senhor Dhaniel, eu tenho um sentimento triste de dizer que talvez esse não seja o último. Dadas as notícias que viemos a tomar conhecimento, as súmulas e as denúncias futuras. O próprio depoimento mostra que falhamos. Falhamos na nossa tentativa de reprimir. Falhamos quando eu digo, é o clube denunciado. Que há tanto tempo, ainda que promova essas campanhas, falhou. E por que falhou? Porque a súmula da partida e o relatório, os dois documentos que possuem a presunção de veracidade dos fatos ocorridos, não foram desconstituídos. O próprio depoimento corrobora com a súmula. Ou seja, temos um fato controverso dos cânticos praticados pela torcida do Fluminense. Ainda que tenham sido poucos torcedores, como relatado, eles não foram identificados, não foram punidos, não foi lavrado um boletim de ocorrência e, pelo que se observa, não foi a primeira vez, mas dessa vez foi relatado na súmula e veio a julgamento. E o porquê veio a julgamento? A Resolução 1ª de 2019, após o julgamento do STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 (ADO 26) e o Mandado de Injunção 4733, que tornou homofobia um crime paralelo ao racismo, o STJD editou uma súmula do qual os clubes deveriam tomar providências a orientar seus torcedores para que evitassem justamente esse cântico por conta das possíveis punições que poderiam ocorrer”, disse Rafael Bozzano, que continuou a sustentação esmiuçando o artigo da denúncia.

“Aqui agora é importante entrar no artigo 243-G, que gera muita controvérsia, seja por conta da dicção, seja por conta da sua aplicabilidade. O caput é claro. O enquadramento dele também. Resta a pena a ser imposta. O parágrafo 1º fala de prática simultânea por um considerável número de pessoas vinculadas a uma determinada equipe. Excelências, a partir do momento que existe o canto incontroverso por um número considerável de pessoas vinculadas a um clube, a punição com perda de pontos é inafastável. É a pena que existe. Essa pena é prevista também no Código Disciplinar da FIFA. A única diferença é que na primeira ocasião é uma multa e na reincidência é a perda de pontos. Só que o CBJD a pena inicial já ocorre com a perda de pontos, que é o parágrafo primeiro. O parágrafo segundo, que traz que a possibilidade da multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva, qual a função do parágrafo segundo? É justamente possibilitar que aquela pena não fique somente com a perda de pontos, mas possibilita a punição do clube também com a multa. Isso é que veio a previsão do parágrafo segundo. E no parágrafo terceiro, quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá ainda aplicar as penas dos incisos trazidos no V, no VII e no XI do artigo 170. E quando esse parágrafo é aplicado? No caso do Celsinho foi um exemplo. Porque, ainda que a conduta tenha sido praticada somente por um dirigente, dada a sua gravidade, utilizou-se do parágrafo terceiro para também aplicar a multa”, para finalizar, o Procurador pediu a perda de pontos.

O advogado Rafael Pestana discordou da denúncia e afirmou ser notória a mudança de comportamento a partir da recomendação do STJD.

“Essa injusta acusação de preconceito, de infração ao artigo 243-G ao Fluminense, não condiz com a história do clube. Ficou muito claro pelo depoimento, pela farta documentação apresentada aos autos. De todos os clubes brasileiros, talvez seja o mais engajado contra a discriminação nos estádios. O trabalho de conscientização também do STJD, ele não está sendo em vão. A partir da recomendação, nota-se um trabalho muito maior dos clubes, um comportamento muito diferente dos torcedores nas arquibancadas. A tônica dessa recomendação é buscar que os clubes façam ações de combate. O Fluminense, na estreia do segundo uniforme, em 2021, estampou em seus números e na braçadeira do capitão as cores do arco-íris. Posteriormente leiloou as camisas e reverteu o valor em doação ao Grupo Arco-Íris, que inclusive valorou e agradeceu em público a atitude do Fluminense”, disse o advogado que ainda leu a nota do grupo, mas negou que tenha havido preconceito.

“Com os fatos trazidos nesse julgamento não é difícil para os experientes julgadores notarem que isso não está relacionado a preconceito. Nós enxergamos muito mais como cântico excessivo, mas não de preconceito. E o árbitro não viu gravidade no que aconteceu ao não paralisar a partida. Foi algo muito pequeno, muito insignificante perto de todo o trabalho feito pelo Fluminense, é algo muito pequeno no sentido de que a grande maioria dos torcedores abafou aquela minoria. Chamou muito mais a atenção a postura e atitude do Fluminense ao pedir que esses cânticos parassem. Não há uma linha no noticiário no dia seguinte. O que saiu de notícia foi depois que a súmula foi publicada. O que saiu na imprensa foi a linda festa do Fluminense naquele dia. O pedido da defesa é muito simples, é para o que o Fluminense seja absolvido pela atipicidade ou desclassificação para o artigo 191 e aplicando tão somente a pena de multa na remota hipótese de que o Tribunal entenda que o Fluminense mereça ser punido”, defendeu Rafael Pestana.

Como votou a Comissão:

O relator José Dutra Júnior aplicou a multa de R$ 50 mil, mas discordou da acusação quanto à perda de pontos.

“O que precisa, sem dúvida alguma, é institucionalizar cada vez mais essa proteção. Seja no aparato criminal e também no caráter educativo. Acho que o esforço de todos por uma política educativa para promover qualquer repúdio à intolerância, desrespeito, é fundamental. Feitas essas ressalvas, preciso entrar na matéria desse julgamento. A presunção de veracidade da súmula não foi desconstituída. Verifica-se que a norma do parágrafo segundo é sem dúvida especial, porque refere-se especificamente à torcida. Logo de plano vejo o equívoco da denúncia de classificar no parágrafo primeiro e não no segundo. A infração foi praticada por um grupo de torcedores do Fluminense. De acordo com o parágrafo segundo, eu condeno o clube aplicando multa de R$ 50 mil”, votou o relator.

Os auditores Maurício Neves, Rodrigo Salomão e o presidente Jorge Galvão acompanharam na íntegra. A auditora Adriene Hassen concordou com o valor da multa, mas também puniu o Fluminense com a perda de mando de campo e três pontos, voto este vencido.

Paulo Victor absolvido por unanimidade

O lateral-esquerdo do Internacional, Paulo Victor, foi denunciado por dar um carrinho por trás atingindo com o joelho direito a posterior da coxa do adversário e consequentemente ser expulso com a aplicação do cartão vermelho direto. O jogador respondeu por “jogada violenta”, de acordo com o artigo 254, §1º, I do CBJD.

O advogado Francisco Balbuena fez a defesa de Paulo Victor após apresentação de prova de vídeo e foto.

“É importante verificar o que o árbitro escreveu na súmula. O que nós verificamos no lance é que todo mundo só ficou olhando a perna, ninguém reparou que a bola saiu ilesa, ele primeiro atinge a bola. Uma jogada violenta que não necessita sequer de atendimento médico? O jogador voltou normalmente para a partida. A súmula fala de um lance que não foi verificado no vídeo. Naquele momento já foi um prejuízo muito grande, pois o Inter ainda ficou com um jogador a menos e a defesa entende que já é suficiente, uma vez que sequer uma infração disciplinar entendemos que aconteceu”, sustentou.

O relator José Dutra Junior votou pela absolvição do jogador e foi acompanhado pelos auditores Rodrigo Salomão, Maurício Neves, Adriene Hassen e o presidente Jorge Galvão.

Fonte: Fonte: Superior Tribunal Desportiva do Futebol

Imagem: Pixabay

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